vou-me embora
caros leitores, amigos de tertúlias e orgias entre vinho branco e discos do Nel Monteiro
vou sentir saudades vossas. das tardes a apanhar sol, lendo o Record e partilhando Conguitos.
mas tudo tem de parar, até os momentos de maior felicidade. hoje encerrei um ciclo. vou partir, para voltar garanto já. quero roubar um comboio, deixar crescer uma barba; uma barba a sério que me sirva de saco cama e onde possa guardar os restos do almoço enquanto cito trotsky. irei para não muito longe vos garanto camaradas, amigos, companheiros de andanças. estarei, quem sabe, junto a vós, enquanto passeiam na alta de Coimbra, enquanto colhem malmequeres em Estremoz, enquanto assobiam canções há muito esquecidas de Quim Gouveia. estarei com os agricultores da Guatemala, apoiando Eusébio no torneio de dardos do Grupo Recreativo da Damaia, serei quem sempre fui.
alimentar-me-ei exclusivamente de citrinos e correrei pelas ruas, embrulhado numa bandeira vermelha, vertendo uma lágrima por onde passe, dando um pouco de tuli creme de avelã a quem passa fome, um sorriso a quem não o tem, um copo de vinho a quem dele necessite. não me esquecerei de quem sempre esteve comigo nos bons e nos maus momentos, na travessia do Nilo, nas aulas de Estética, na descida do Empire State Building de canoa.
aos que ficarem digo-vos, continuem a lutar. ouçam Vítor Manuel, ouçam-no com atenção. vejam os programas da bela juventude na RTP África, com as suas alegres canções. saltem, pulem, dancem com os pigmeus em Budapeste. empunhem flores, partilhem os cheiros, os sabores de Celas às seis da tarde. comam pintarolas, como se estivesse de novo na moda usar gel, camisas com flores e ouvir New Kids on the Block.não se esqueçam de lavar os doentes.
verto uma lágrima; de saudade também, mas de felicidade por tudo o que consegui criar a partir do nada. se me ouvirem gritando desalmadamente como um gnu almiscarado da Tanzânia com o cio, já sabem. sou eu, triste, sujo, pedindo um simples prato de sopa quente, um pouco de conforto, sexo oral quem sabe.
parto agora, com uma rosa na lapela e uma meia de lã a cobrir-me o sexo. avanço decidido, deixando tudo para trás, mas nunca vos esquecendo, caros leitores, amigos, companheiros, palhaços desta vida.
até ao meu regresso um enorme bem haja